segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Notícias e imagens-fatos





Antônio de Alcântara Machado, e seu livro de contos Brás, Bexiga e Barra Funda, levaram a prosa moderna a um nível inimaginável, diferente, inesperado e com um peculiar estilo jornalístico. Estilo que marcou esta obra, explorando uma linguagem rica e diferenciada, que o tornou importante peça no Modernismo brasileiro.

"Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio, portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo.” (Brás, Bexiga e Barra Funda” - Artigo de fundo pág. 17)

Assim afirma Alcântara Machado logo no prefácio que não é prefácio. Seus contos transformam-se em notícias, relatos de um cotidiano brasileiro do fim dos anos vinte, época em que os imigrantes italianos chegavam a São Paulo.
O foco de suas narrativas é o povo italiano que se misturava conosco, criando um novo vocabulário, que podemos chamar de ítalo-brasileiro. A partir disso, iremos destrinchar a maneira distinta que Alcântara maneja a linguagem de sua sucinta obra.
Graças a esse foco, podemos observar os recursos usados pelo autor-repórter para transmitir as notícias de um cotidiano brasileiro pouco conhecido pelas demais regiões do país.
Por manter seus olhos fixos na chegada e estadia dos imigrantes, Alcântara usa de bom grado expressões italianas adicionadas à nossa fala, causando certo hibridismo que faz ponte entre as duas línguas. Vejamos esse fragmento do conto "Carmela", de Brás, Bexiga e Barra Funda, onde a personagem Carmela, deitada em sua cama, “abre o romance à luz da lâmpada de 16 velas: Joana a desgraçada ou A odisseia de uma virgem, fascículo 2º”, como diz o livro na pág 27:

“Quando Carmela, reparando bem, começa a verificar que o castelo não é mais um castelo mas uma igreja, o tripeiro Giuseppe Santini berra no corredor:
_ Spegni la luce! Súbito! Mi vuole próprio rovinare questa principessa!” (Brás, Bexiga e Barra Funda pág28)

O cotidiano, o modo de vida nos bairros onde as misturas davam vida a novas raças é mostrado com veemência nos contos. A vida normal de uma classe baixa que pega o bonde, assiste ao jogo do time preferido, dá uma volta na praça, etc. Tudo noticiado com muita clareza literária.
Para dar mais ênfase com realismo e humor a esses artigos cotidianos, o autor, algumas vezes, faz uso de onomatopéias que dão graça e vida a passagem das personagens como nesses fragmentos:

“E – raatá! – uma cusparada daquelas.” (Brás, Bexiga e Barra Funda pág 28)


“O Lancia passou como quem não quer. Quase parando. A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino. Uiiiiia – uiiiii ( Bás, Bexiga e Barra Funda pag41)

Um outro recurso bem usado pelo escritor é o da linguagem cinematográfica, ou seja, ele joga com ações simultâneas, espaços graves entre um parágrafo e outro, dando a impressão de descrever visualmente uma cena. Este recurso é uma forma de fortalecer a linguagem jornalística dos contos, noticiando assim, com estilo imagético, as cenas cotidianas que narra.
No conto“Tiro-de-Guerra nº 35”, podemos observar esse tipo de narração noticiada que Alcântara se propôs a fazer em seu livro-jornal. Vejamos:

“Saiu do Grupo e foi para a oficina mecânica do cunhado. Fumando Bentevi e cantando Caraboo. Mas sobretudo com muita malandrice. Entrou para o Juvenil Flor de Prata F.C. (fundado para matar o Juvenil Flor de Ouro F.C.). Reserva do primeiro quadro. Foi expulso por falta de pagamento. Esperou na esquina o tesoureiro. O tesoureiro não apareceu. Estreou as calças compridas no casamento da irmã mais moça (sem contar Joaninha). Amou a Josefina. Apanhou do primo da Josefina. Jurou vingança. Ajudou a empastelar o Fanfulla que falou mal do Brasil. Teve ambições. Por exemplo: artista do Circo Queirolo. Quase morreu afogado no Tietê.( Brás, Bexiga e Barra Funda Pág. 31)

Pudemos observar a notícia dada da prévia da vida da personagem Aristodemo Guggiani. Frase a frase terminada com o rasteiro ponto final, sem vírgulas ou floreio, noticiou-nos as cenas de sua vida. Essa linguagem, esses recursos tão bem explorados por Alcântara Machado, fez dele uma inovação no Modernismo. Veio rompendo, indo ao contrário, trazendo o novo, o inédito, o não feito até então.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O Coração Delator - Edgar Alan Poe



A finalidade da obra de Edgar Alan Poe sempre foi a sustentação, a estruturação de seus contos maravilhosamente alucinantes. Com ironia e delicadeza peculiares, Poe aborda o universo mental, ou melhor, o universo mental desfocado do mundo real, com suas fobias e criações fantásticas. A mente humana em Poe é um mundo-cenário, palco de neuroses, associações mentais e desfalques psicológicos que são o tempo, o espaço e o enredo. Em “O coração delator”, originalmente chamado “The Tell-Tale Heart”, não é diferente. O autor apresenta-nos um conto esplêndido, com minúcias psicológicas muito bem estruturadas enfatizando o desespero de um homem, causado por um olho doente de um singelo senhor. A doença ocular do velho desperta uma nevrose medonha, dando início a uma trama desesperadora e ao mesmo tempo irônica, em que situações das mais bizarras (todas baseadas nas intrigas mentais do sujeito) colorem um texto curto e suficientemente bem exposto, fazendo-nos perceber dois clímax dentro da história, onde uma situação tétrica causa outra ainda mais ironicamente doente. Um dos melhores contos de Poe, sem receio nenhum de afirmar, “O coração delator” merece várias leituras e análises, pois a temática psicológica é explorada com devida firmeza literária. Não cabe a mim transcrever esse conto aqui, (quero apenas deixar no ar a incitação), mas cabe a qualquer leitor assíduo, o "deleite" desse incrível conto de Edgar Alan Poe.