Adrino Aragão, escritor amazonense, em seu livro "Conto, não-conto & outras inquietações", lançado pela Anta Casa Editora em 2006, trouxe para a Literatura atual poesia de valor inestimável, usada linda e ferozmente em seus micro-contos. A capacidade de concentração que o autor possui é de relevância estética tamanha, que em poucas linhas transcreve uma imagem absurdamente poética. Exemplos do livro não faltam, e fica incompleto tudo o que eu possa afirmar aqui, sem um exemplo vivo da obra de Aragão. Analizando o mini-conto "Sonhos", percebemos que tanto escrito originalmente em prosa, quanto disposto em verso, o texto não perde sua musicalidade. E reanalizando-o em verso, notamos que o mesmo texto está composto em redondilhas:
A lâmina da faca - 6 sílabas (variante de redondilha)
como um chicote de fogo, -7 sílabas (redondilha maior)
decepou-lhe a cabeça, - 5 sílabas (redondilha menor)
banhada de sonhos. - 6 sílabas (variante de redondilha)
Sonhos é um texto redondo, cheio de musicalidade, com uma carga poética visível. Aliás, todos os textos dessa obra trazem arraigadas poesia e uma força filosófica notória. Esse tipo de prosa poética usada por Adrino tem uma intenção imagética condensada num discurso narrativo reduzido para um final rasteiro, que de supetão cria imagens tão fortes quanto inesperadas.
O exemplo do modelo de criação de Edgar Allan Poe, com suas formulações de tons para dar a intenção do conto, até o desenlace e sua concentração de elementos para um final único, explicado em sua Filosofia da Composição, talvez esteja inserido nos mini-contos de Adrino de uma forma mais concisa onde começo, clímax e desfecho se integram e ganham corpo de imagem apenas no desenlace, no desfecho, que é o conto em si, ou seja, o efeito. Para isso não existe tempo-espaço como nos contos tradicionais e nem sempre existe uma personagem protagonista ou antagonista. Personagens apenas são instrumentos para a criação do efeito e o tempo-espaço torna-se a idéia do conto geralmente restrito a um lugar suficiente para que essa idéia final possa acontecer, seja na mente humana ou num espaço físico restrito:
(...) é absolutamente necessário um espaço estreito, pois este ganha a força de uma pintura. Ademais, oferece a vantagem moral de concentrar a atenção em um pequeno âmbito (...). (POE, 2006, p. 8).
Geralmente a idéia central é condensada como se o conto fosse uma cena, com uma construção imagética rápida, fenomenal que, para o leitor, chega como um tapa na cara, uma ducha de água fria, no melhor dos sentidos, induzindo-o a um arrebatamento, um espasmo. É esta a intenção do desenlace que Adrino usa com maestria. Vejamos o texto “O afogado”:
de pé na proa do barco, ele gritava que continuassem buscando o corpo desaparecido no primeiro mergulho. na limpidez das águas esverdeadas do rio, o sol fazia refletir a imagem do homem profundamente angustiado.
quando os banhistas, já cansados de mergulhar, perguntaram a ele quem era o afogado, ele respondeu, sufocado pelo choro, que era ele mesmo.
ao tentarem agarrá-lo, ele se lançou às águas, desaparecendo num novo mergulho. Nunca mais o acharam. (Aragão, 2006, p. 46)
Notemos a força de impacto desse texto. Misterioso, minucioso e cheio de armadilhas. As palavras “ primeiro mergulho” no começo do texto e “novo mergulho”, no final, são as palavras chave desse conto, pois elas são essenciais para o efeito final pretendido. Através delas não sabemos se o afogado em questão, que angustiado pede ajuda, está realmente vivo, ou é um espírito procurando seu corpo afogado no primeiro mergulho. Se for, como os banhistas ao redor conseguem vê-lo? É esta a intenção nos mini- contos de Adrino. Instigar o leitor na rapidez das cenas lançadas nas estrutura do texto.
Reparemos também que o autor não usa parágrafos nem letras maiúsculas. Um recurso estético que mostra a modernidade presente nos micro-contos.
Com recursos de síntese e efeitos incríveis, Adrino Aragão, com seus contos – não - contos, escancara as portas da Literatura moderna e deixa seu nome gravado nos anais da modernidade