sexta-feira, 6 de junho de 2008

Conto, não-conto & outras inquietações





Adrino Aragão, escritor amazonense, em seu livro "Conto, não-conto & outras inquietações", lançado pela Anta Casa Editora em 2006, trouxe para a Literatura atual poesia de valor inestimável, usada linda e ferozmente em seus micro-contos. A capacidade de concentração que o autor possui é de relevância estética tamanha, que em poucas linhas transcreve uma imagem absurdamente poética. Exemplos do livro não faltam, e fica incompleto tudo o que eu possa afirmar aqui, sem um exemplo vivo da obra de Aragão. Analizando o mini-conto "Sonhos", percebemos que tanto escrito originalmente em prosa, quanto disposto em verso, o texto não perde sua musicalidade. E reanalizando-o em verso, notamos que o mesmo texto está composto em redondilhas:


A lâmina da faca - 6 sílabas (variante de redondilha)
como um chicote de fogo, -7 sílabas (redondilha maior)
decepou-lhe a cabeça, - 5 sílabas (redondilha menor)
banhada de sonhos. - 6 sílabas (variante de redondilha)


Sonhos é um texto redondo, cheio de musicalidade, com uma carga poética visível. Aliás, todos os textos dessa obra trazem arraigadas poesia e uma força filosófica notória. Esse tipo de prosa poética usada por Adrino tem uma intenção imagética condensada num discurso narrativo reduzido para um final rasteiro, que de supetão cria imagens tão fortes quanto inesperadas.
O exemplo do modelo de criação de Edgar Allan Poe, com suas formulações de tons para dar a intenção do conto, até o desenlace e sua concentração de elementos para um final único, explicado em sua Filosofia da Composição, talvez esteja inserido nos mini-contos de Adrino de uma forma mais concisa onde começo, clímax e desfecho se integram e ganham corpo de imagem apenas no desenlace, no desfecho, que é o conto em si, ou seja, o efeito. Para isso não existe tempo-espaço como nos contos tradicionais e nem sempre existe uma personagem protagonista ou antagonista. Personagens apenas são instrumentos para a criação do efeito e o tempo-espaço torna-se a idéia do conto geralmente restrito a um lugar suficiente para que essa idéia final possa acontecer, seja na mente humana ou num espaço físico restrito:


(...) é absolutamente necessário um espaço estreito, pois este ganha a força de uma pintura. Ademais, oferece a vantagem moral de concentrar a atenção em um pequeno âmbito (...). (POE, 2006, p. 8).


Geralmente a idéia central é condensada como se o conto fosse uma cena, com uma construção imagética rápida, fenomenal que, para o leitor, chega como um tapa na cara, uma ducha de água fria, no melhor dos sentidos, induzindo-o a um arrebatamento, um espasmo. É esta a intenção do desenlace que Adrino usa com maestria. Vejamos o texto “O afogado”:


de pé na proa do barco, ele gritava que continuassem buscando o corpo desaparecido no primeiro mergulho. na limpidez das águas esverdeadas do rio, o sol fazia refletir a imagem do homem profundamente angustiado.
quando os banhistas, já cansados de mergulhar, perguntaram a ele quem era o afogado, ele respondeu, sufocado pelo choro, que era ele mesmo.
ao tentarem agarrá-lo, ele se lançou às águas, desaparecendo num novo mergulho. Nunca mais o acharam. (Aragão, 2006, p. 46)


Notemos a força de impacto desse texto. Misterioso, minucioso e cheio de armadilhas. As palavras “ primeiro mergulho” no começo do texto e “novo mergulho”, no final, são as palavras chave desse conto, pois elas são essenciais para o efeito final pretendido. Através delas não sabemos se o afogado em questão, que angustiado pede ajuda, está realmente vivo, ou é um espírito procurando seu corpo afogado no primeiro mergulho. Se for, como os banhistas ao redor conseguem vê-lo? É esta a intenção nos mini- contos de Adrino. Instigar o leitor na rapidez das cenas lançadas nas estrutura do texto.
Reparemos também que o autor não usa parágrafos nem letras maiúsculas. Um recurso estético que mostra a modernidade presente nos micro-contos.
Com recursos de síntese e efeitos incríveis, Adrino Aragão, com seus contos – não - contos, escancara as portas da Literatura moderna e deixa seu nome gravado nos anais da modernidade

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Notícias e imagens-fatos





Antônio de Alcântara Machado, e seu livro de contos Brás, Bexiga e Barra Funda, levaram a prosa moderna a um nível inimaginável, diferente, inesperado e com um peculiar estilo jornalístico. Estilo que marcou esta obra, explorando uma linguagem rica e diferenciada, que o tornou importante peça no Modernismo brasileiro.

"Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio, portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo.” (Brás, Bexiga e Barra Funda” - Artigo de fundo pág. 17)

Assim afirma Alcântara Machado logo no prefácio que não é prefácio. Seus contos transformam-se em notícias, relatos de um cotidiano brasileiro do fim dos anos vinte, época em que os imigrantes italianos chegavam a São Paulo.
O foco de suas narrativas é o povo italiano que se misturava conosco, criando um novo vocabulário, que podemos chamar de ítalo-brasileiro. A partir disso, iremos destrinchar a maneira distinta que Alcântara maneja a linguagem de sua sucinta obra.
Graças a esse foco, podemos observar os recursos usados pelo autor-repórter para transmitir as notícias de um cotidiano brasileiro pouco conhecido pelas demais regiões do país.
Por manter seus olhos fixos na chegada e estadia dos imigrantes, Alcântara usa de bom grado expressões italianas adicionadas à nossa fala, causando certo hibridismo que faz ponte entre as duas línguas. Vejamos esse fragmento do conto "Carmela", de Brás, Bexiga e Barra Funda, onde a personagem Carmela, deitada em sua cama, “abre o romance à luz da lâmpada de 16 velas: Joana a desgraçada ou A odisseia de uma virgem, fascículo 2º”, como diz o livro na pág 27:

“Quando Carmela, reparando bem, começa a verificar que o castelo não é mais um castelo mas uma igreja, o tripeiro Giuseppe Santini berra no corredor:
_ Spegni la luce! Súbito! Mi vuole próprio rovinare questa principessa!” (Brás, Bexiga e Barra Funda pág28)

O cotidiano, o modo de vida nos bairros onde as misturas davam vida a novas raças é mostrado com veemência nos contos. A vida normal de uma classe baixa que pega o bonde, assiste ao jogo do time preferido, dá uma volta na praça, etc. Tudo noticiado com muita clareza literária.
Para dar mais ênfase com realismo e humor a esses artigos cotidianos, o autor, algumas vezes, faz uso de onomatopéias que dão graça e vida a passagem das personagens como nesses fragmentos:

“E – raatá! – uma cusparada daquelas.” (Brás, Bexiga e Barra Funda pág 28)


“O Lancia passou como quem não quer. Quase parando. A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino. Uiiiiia – uiiiii ( Bás, Bexiga e Barra Funda pag41)

Um outro recurso bem usado pelo escritor é o da linguagem cinematográfica, ou seja, ele joga com ações simultâneas, espaços graves entre um parágrafo e outro, dando a impressão de descrever visualmente uma cena. Este recurso é uma forma de fortalecer a linguagem jornalística dos contos, noticiando assim, com estilo imagético, as cenas cotidianas que narra.
No conto“Tiro-de-Guerra nº 35”, podemos observar esse tipo de narração noticiada que Alcântara se propôs a fazer em seu livro-jornal. Vejamos:

“Saiu do Grupo e foi para a oficina mecânica do cunhado. Fumando Bentevi e cantando Caraboo. Mas sobretudo com muita malandrice. Entrou para o Juvenil Flor de Prata F.C. (fundado para matar o Juvenil Flor de Ouro F.C.). Reserva do primeiro quadro. Foi expulso por falta de pagamento. Esperou na esquina o tesoureiro. O tesoureiro não apareceu. Estreou as calças compridas no casamento da irmã mais moça (sem contar Joaninha). Amou a Josefina. Apanhou do primo da Josefina. Jurou vingança. Ajudou a empastelar o Fanfulla que falou mal do Brasil. Teve ambições. Por exemplo: artista do Circo Queirolo. Quase morreu afogado no Tietê.( Brás, Bexiga e Barra Funda Pág. 31)

Pudemos observar a notícia dada da prévia da vida da personagem Aristodemo Guggiani. Frase a frase terminada com o rasteiro ponto final, sem vírgulas ou floreio, noticiou-nos as cenas de sua vida. Essa linguagem, esses recursos tão bem explorados por Alcântara Machado, fez dele uma inovação no Modernismo. Veio rompendo, indo ao contrário, trazendo o novo, o inédito, o não feito até então.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O Coração Delator - Edgar Alan Poe



A finalidade da obra de Edgar Alan Poe sempre foi a sustentação, a estruturação de seus contos maravilhosamente alucinantes. Com ironia e delicadeza peculiares, Poe aborda o universo mental, ou melhor, o universo mental desfocado do mundo real, com suas fobias e criações fantásticas. A mente humana em Poe é um mundo-cenário, palco de neuroses, associações mentais e desfalques psicológicos que são o tempo, o espaço e o enredo. Em “O coração delator”, originalmente chamado “The Tell-Tale Heart”, não é diferente. O autor apresenta-nos um conto esplêndido, com minúcias psicológicas muito bem estruturadas enfatizando o desespero de um homem, causado por um olho doente de um singelo senhor. A doença ocular do velho desperta uma nevrose medonha, dando início a uma trama desesperadora e ao mesmo tempo irônica, em que situações das mais bizarras (todas baseadas nas intrigas mentais do sujeito) colorem um texto curto e suficientemente bem exposto, fazendo-nos perceber dois clímax dentro da história, onde uma situação tétrica causa outra ainda mais ironicamente doente. Um dos melhores contos de Poe, sem receio nenhum de afirmar, “O coração delator” merece várias leituras e análises, pois a temática psicológica é explorada com devida firmeza literária. Não cabe a mim transcrever esse conto aqui, (quero apenas deixar no ar a incitação), mas cabe a qualquer leitor assíduo, o "deleite" desse incrível conto de Edgar Alan Poe.